segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

novembro de 2006

COREOGRAFIA, PORNOGRAFIA E CARTOGRAFIA


Necessitamos entender
nossa própria energia
e qual é a nossa finalidade
neste mundo.

M. Abramovic



O mais recente trabalho da performer Marina Abramovic apresentado em São Paulo, no SESC-Pinheiros, mistura os dados de uma possível identidade antropológica dos habitantes dos Bálcãs ao ressuscitar corpos primitivos e pagãos que não existem mais.
Balkan Erotic Epic (Épico Erótico dos Bálcãs) compõe-se de uma vídeo-instalação onde cinco projeções simultâneas sintetizam a geografia que Abramovic, pioneira na arte da performance, incorpora em sua órbita de indistinção entre o corpo e os sistemas geopolíticos que o envolvem. Esse espaço, me sugeriu três idéias num plano esquemático: por onde se movimenta a proposta, suas mobilizações feitas entre três formas de representação coletiva: coreografia, cartografia e pornografia.
Talvez essas categorias representem uma busca necessária de entendimento da arte de Abramovic em suas linhas claramente construídas nas fronteiras (arte-guerra, corpo vivo-corpo morto, resistência-limite), ou talvez elas signifiquem um dos modos de se explicar uma geografia humana enunciada pelo corpo-artista.

a ---- coreografia: a diferenciação gestual e a colocação dos movimentos num padrão masturbatório encena uma coisa com parentesco muito próximo d’o ânus solar’ de Georges Battaile. o meu olhar a movimentar-se: excitação?
a continuidade e extensão de um espaço-tempo ancestral aparece (se torna imagem) servindo de terreno para os corpos que se representam num coreografia contingente. a pauta coreográfica da projeção em que várias mulheres apontam seus sexos para a chuva poderia muito bem ser ritmo-pausa-estaciona-lembra-tomba.


b ---- cartografia: os motivos do solo (minerais, geológicos) já inseridos em investigações anteriores da artista – por exemplo, innersky e transitory objects for human use – retornam nomeando o território de ‘escorregadio’, causando fricções, literalmente uma masturbação, realizando permissividade entre pele-terra.
Ao invés de uma geologia aplicada – visível nos dois trabalhos anteriores que citei – a proposta evolui e vem ao nosso encontro como uma cartografia geopolítica potencialmente esclarecedora do relevo montanhoso dos Bálcãs e de como esse espaço territorializou muito recentemente mais que uma guerra, mas um tipo de ‘feira de exposição do material bélico estados-unidense’.
Paul Virilio[1] narra muito detalhadamente os fatos que criaram nos Bálcãs uma nova forma de promoção dos armamentos, uma política da guerra, um fatal incremento do complexo industrial-militar. Esta definição geopolítica transparece na vídeo-instalação pelo som dos hinos, os corpos dos homens erguidos para combate (de novo: literalmente) relembrando formas de estímulo para uma vocação à guerra e fazendo durar sentimentos já enterrados.


c ---- pornografia: ao objetivar didaticamente a eroticidade para identificar - ou apenas lembrar - corpos balcânicos, os vídeos de Abramovic se chocam com as estruturas de sua exposição.
A mágica imitativa que o Épico constrói ao evidenciar a natureza na ritualização da sexualidade se contradiz na censura – exatamente como os mais populares meios pornográficos: o trânsito de menores de 16 anos até a vídeo-instalação é proibido da mesma maneira que se proíbe o acesso a um cinema pornô. No entanto, onde haveria a disntinção do trabalho de arte há a recorrência confusa de que aquilo ali apresentado participaria do banal consumo pornográfico.
A temperatura explicativa das imagens se confunde com o confinamento da nudez selvagem e, de forma geral, do erotismo, afastando-se de incrementar nas experiências de algum adolescente paulistano uma concepção diferenciada do que pode vir a ser pornografia.
A assimetria destes fenômenos está no fato de que ele, e qualquer um de nós, pode assistir ao vídeo pelo computador fazendo um download no emule. Aí a obra não é mais igual, aí ela se torna privativa e passa a trabalhar muito menos.


[1] A Estratégia da Decepção. Paul Virilio.

Um comentário:

d.dilettoso disse...

ai ai, quanta coisa! ufa